Quando a vida bate, você precisa estar preparado!
Nem sempre a vida é colorida e cheia de coisas boas. Às vezes nós caímos, e caímos feio. O que te torna melhor é o que você faz depois da queda.
Cezar Nascimento
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Eu queria muito começar essa história contando o quão incrível foi a minha vida. Como eu me dediquei aos estudos e o quanto eu cresci no trabalho até chegar até aqui.
Mas a vida nem sempre é um conto de fadas. Às vezes nos damos bem, outras vezes nos vemos caídos em meio a um monte de desilusões e sonhos que nunca se realizaram.
Eu tinha uma vida normal e pacata, típica do interior. Mas minha vontade de ser como aqueles milionários das novelas sempre foi muito maior que a minha vontade de seguir os passos dos meus pais.
Eu não aceitava que tanta gente tinha tudo e eu não podia ter o brinquedo que eu via na tv, ou comer as guloseimas que eu tanto desejava, quando íamos ao supermercado. Como pode existir algo que eu não possa ter? Que mundo é este? – Pensava eu.
Meus pais faziam o melhor que podiam para me dar o máximo de conforto que as condições permitiam. Mas eu não estava satisfeito.
Meus amigos eram muito felizes e conformados com a vida que nós levávamos. – Alguns, inclusive, estão por lá até hoje, fazendo as mesmas coisas e vivendo do mesmo modo.
Eu não me sentia encaixado naquele mundo. Não conseguia me ver sendo parte daquilo e fui ficando cada dia mais triste. Até que um dia eu decidi que iria mudar. Iria meter a cara no mundo, como dizem por lá, e encontrar o meu lugar.
Mas como voar, se você sequer sabe o que são asas, quanto mais que as tem?
A primeira queda
Eu havia acabado de entrar em uma faculdade. Estava namorando e tinha um trabalho, que não era lá aquelas coisas, mas era mais que suficiente para me manter, e manter uma vida confortável.
As coisas começaram a desandar quando eu me separei da minha namorada, na metade do penúltimo ano da faculdade.
Foi a primeira vez que eu me senti sem chão. Foi terrível! Eu não estava preparado para aquilo. Ninguém nunca me ensinou que as coisas podem mudar assim, tão de repente, e que tudo o que você acredita ser eterno, como um castelo de cartas, num instante pode se desfazer.
Ao final daquele ano eu fiquei sem emprego. Na mesma época em que eu havia me mudado para uma república de estudantes.
Agora eu era um universitário, desempregado, endividado e prestes a terminar a faculdade.
Óbvio que as coisas não acabariam bem.
Sabe quando você está deitado no sofá, quase pegando no sono, numa tarde preguiçosa, e, de repente, você sonha que está caindo num buraco e desperta? Pois bem! Foi quase isso que me aconteceu.
Eu era orgulhoso de mais para aceitar que eu precisava de um trabalho que me pagasse as contas. Queria ter o melhor trabalho do mundo, mas não estava disposto a percorrer o caminho para chegar até ele. Levava uma vida como se nada tivesse mudado. Gastava com bebidas e noites em bares e diversão.
O tempo foi passando e o dinheiro que eu tinha guardado foi acabando. Em poucos meses eu já não tinha mais como bancar as minhas contas e fui despejado da república onde morava.
Nem mesmo estar sem um teto para morar me fez perder o meu orgulho. Eu não aceitava ter de voltar atrás e retornar para a casa dos meus pais.
Passei os meses seguintes morando em pensões, penhorando algumas coisas ou simplesmente saindo na calada da noite por não ter como pagar o mês.
A falsa segurança e a segunda queda
Após alguns meses de procura eu finalmente consegui um trabalho. Andando pela vizinhança, encontrei também uma casa, onde a dona alugava os quartos. Era perto do trabalho e barato.
As coisas finalmente pareciam começar a melhorar. Fiz novos amigos, conheci gente interessante e estava de volta à vida de cidadão empregado.
Foi a primeira vez que eu senti que estava fazendo a coisa certa.
A minha rotina era bem simples: eu acordava de madrugada, ia trabalhar, saía do trabalho e voltava para casa.
Aos finais de semana, sempre estava em algum churrasco ou festa de algum amigo. E era isso.
Após alguns meses levando aquela vida, fui ficando entediado e voltei a ter os mesmos pensamentos de antes.
Não demorou muito e eu fiz a única coisa que não deveria fazer naquele momento: pedi demissão do meu emprego sem ter outro trabalho.
Tudo desmoronou novamente. Foi um dos piores momentos da minha vida até hoje.
Em poucos dias eu saí de uma certa estabilidade para o fundo do poço numa velocidade inacreditável!
Já não tinha mais dinheiro para nada e tudo o que eu possuía cabia numa mochila, que me acompanhava.
Eu não tinha onde morar e passava os dias como dava. Dormia na casa dos poucos amigos que restaram, em bancos de praça, banheiro de rodoviária, ou simplesmente passava a noite vagando pelas ruas até o amanhecer – talvez por isso, hoje em dia, eu tenha uma intimidade tão grande com a calada da noite.
A virada
Um dia, saindo da rodoviária, encontrei um conhecido, que à época dirigia o ônibus que ia para a cidade onde meus pais moravam. Parei para conversar com ele e acabei comentando que precisava ir para lá, mas não tinha dinheiro sequer para a passagem.
Sem dúvidas o coração do motorista foi tocado por Deus, e comovido com a minha história, me fez entrar rapidamente no ônibus, para que os funcionários da viação não o vissem fazendo isso, e então, finalmente, eu voltei para a casa dos meus pais.
Chegando lá não tive coragem de contar como estavam as coisas. Apenas disse que estava sem trabalho e que precisaria passar uns dias por lá.
Na rodoviária havia um guichê que distribuía o jornal da cidade diariamente e eu passava por lá todos os dias, bem cedinho, para olhar as vagas de trabalho.
Num desses jornais saiu a notícia de que uma grande rede de supermercados estava para inaugurar uma unidade lá na cidade de onde eu havia acabado de retornar. Não pensei duas vezes. Pedi o carro de meu pai emprestado e fui até lá participar do processo seletivo. Infelizmente não fui selecionado.
Mas eu não desisti. Estava decidido a trabalhar com eles. Procurei informações, falei com conhecidos e descobri que haveria uma nova leva de contratações para fechar as vagas remanescentes. Me preparei e apareci ao local da seleção, na data sem nenhuma indicação. Menti para a avaliadora que havia perdido a convocação e me deixaram participar do processo.
Aqui foi o momento em que eu realmente descobri que poderia conseguir qualquer coisa que eu quisesse. Bastava apenas força de vontade e um anseio descomunal por atingir o meu objetivo.
Nunca me esquecerei a frase que eu disse para a avaliadora, quando questionado sobre o motivo de eu querer trabalhar naquela empresa: Há anos que eu acompanho a história desta empresa. Ela é a melhor do seguimento e eu quero estar entre os melhores, para aprender a ser também a minha melhor versão. Este é o meu segundo processo seletivo para a mesma vaga. Caso você não me escolha hoje, não me importo. Na semana que vem eu estarei aqui novamente, e de novo até que seja contratado. Não é insistência ou teimosia. É a certeza de que eu posso ser o melhor profissional que esta empresa já contratou.
E assim eu fui contratado para a vaga de auxiliar de supermercado – o popular repositor. Não demorou para eu me destacar na função e ser convidado a assumir uma nova posição. Fui promovido a comprador em apenas 45 dias.
Nesta mesma época eu conheci a mulher do sorriso mais lindo que eu já vi, e que me ganhou o coração logo de cara. Em pouco tempo começamos a nos encontrar fora da empresa, e logo já estávamos namorando.
Eu estava muito feliz e ao mesmo tempo preocupado. A política da empresa não permitia relacionamentos entre os funcionários. Foi então que eu consegui um novo trabalho em uma indústria automotiva da cidade, e saí do supermercado.
Em poucos meses resolvemos alugar um apartamento e fomos morar juntos. No dia dois de novembro de dois mil e doze eu estava oficialmente feliz.
Agora minha vida estava completa. Trabalhava com o que eu gostava, tinha uma mulher que me amava muito e morava em um lugar legal.
As coisas estavam tão bem resolvidas em minha mente que nem mesmo quando eu perdi o emprego, na montadora, me deixei abalar. No mesmo dia, literalmente, eu estava na porta de várias agências de emprego e em poucos – acredite – dias já estava empregado novamente, numa empresa do mesmo ramo.
O revés
Muita coisa acontece em nossa vida todos os dias. E nós temos o péssimo hábito de acreditar que as coisas vão permanecer estáveis para sempre. Pois a vida lhe dá uma pancada toda vez que você cai nesta armadilha, para lhe mostrar que nem tudo está sob o seu controle.
Após vários meses trabalhando nesta empresa, eu descobri que estava com uma doença grave e que precisaria passar por uma cirurgia o quanto antes para remover os tumores. E pior ainda. Descobri que o plano de saúde da empresa não cobria as despesas do tratamento.
Fiquei sem chão. Por vários dias pensei em uma solução para o meu problema e decidi que tentaria fazer um acordo com a empresa em que eu trabalhava. Não queria me endividar e sabia que se não me tratasse aconteceria o pior.
Conversei com o meu chefe e expliquei toda a situação a ele. Em poucos dias eu estava fora da empresa, mas agora poderia iniciar o tratamento.
Já na semana seguinte fui operado e, a partir daí, passei vários meses sem sair de casa, em tratamento. Foi angustiante.
Com o passar dos meses o dinheiro foi acabando e chegamos ao final daquele ano sem ter sequer o que comer no natal. Foi a pior virada de ano da minha vida.
Eu participava de várias entrevistas de emprego, mas ninguém queria contratar alguém que estava a tanto tempo fora do mercado de trabalho, ainda mais quando descobriam que eu havia passado por uma cirurgia a menos de um ano. Era nítido na cara dos selecionadores que não iriam me contratar.
Mas dessa vez eu estava decidido a não passar apertos. Já não estava mais sozinho. Tinha uma mulher para cuidar e não podia me deixar abalar, afinal, se eu desestabilizasse, ela também desestabilizaria e nós não suportaríamos.
Um dia, navegando pelas redes sociais, encontrei uma moça que havia trabalhado comigo vários anos atrás. Começamos a conversar e ela me contou que agora trabalhava no caixa de uma choperia.
Entre uma conversa e outra, contei que estava procurando emprego e ela me disse que estavam contratando garçom.
A grande virada
Mesmo sem nunca ter segurado uma bandeja em minha vida, comecei a trabalhar como garçom naquela choperia, e em pouco tempo percebi que havia um bar na mesma rua que vivia lotado. Fui me enturmando com os garçons de lá e não demorou até que eu começasse a trabalhar com eles.
Finalmente eu estava ganhando dinheiro suficiente para cobrir todas as nossas despesas. Era um trabalho bem pesado. Abríamos o bar às quatro da tarde e ficávamos até fechar. Aos finais de semana chegávamos a ficar até o amanhecer do dia seguinte. Era muito corrido, mas o salário compensava.
Depois de quase um ano neste bar, eu decidi que era hora de voltar a trabalhar em alguma empresa da minha área de formação. Depois de muito pensar, encontrei uma empresa que parecia estar muito alinhada com o que eu procurava para minha vida naquele momento.
Dediquei várias semanas entrando em contato com pessoas de dentro da empresa, até chegar à gerente de RH da unidade mais próxima da minha casa. Conversamos um pouco e ela me disse que o processo de seleção daquela empresa era via software, e que os currículos eram filtrados pelo próprio sistema que o RH usava à época. Ela me disse também que algumas palavras-chave eram buscadas dentro dos currículos.
Preparei o meu currículo de acordo com o que ela me disse, e me candidatei para a primeira vaga que abriram na minha área.
Nesta época eu já não trabalhava todos os dias no bar. Decidi trabalhar apenas aos finais de semana e durante a semana me preparar, e me atualizar, quanto ao trabalho que eu poderia vir a exercer.
As semanas foram passando e nada de ser chamado para a tão esperada entrevista, até que um dia a vaga sumiu do site da empresa. Fiquei muito triste e pensei que já a haviam preenchido.
Me lembro de ter comentado para a minha mulher que talvez não fosse a minha hora de entrar para aquela empresa.
Passados alguns meses recebi uma ligação do RH da matriz da empresa. Fiquei muito surpreso quando comentaram sobre a tal vaga a qual eu havia me candidatado, meses atrás, e que meu nome estava na lista de candidatos para o cargo.
Todo o processo foi muito rápido. As entrevistas foram todas feitas no mesmo dia. Uma quinta-feira de fevereiro.
A ansiedade pelo retorno do RH era evidente em mim. Passei o final de semana praticamente todo sem dormir. segunda-feira e nada. Na terça-feira recebi uma ligação de número privado, mas não consegui atender. Fiquei imaginando se não seriam eles tentando falar comigo. quarta-feira bem cedo, novamente uma ligação privada. Fiquei preocupado e fui procurar o e-mail da recrutadora. Queria pegar o número dela e ligar para saber notícias.
Ao abrir o meu e-mail me deparei com uma mensagem, justamente da analista de RH da empresa, dizendo que estava tentando falar comigo desde o dia anterior. Liguei na mesma hora para ela. Coração acelerado. Será que a vaga seria minha? Respiração curta. Ela atendeu. “Parabéns! Você foi selecionado para a vaga e gostaríamos de saber se ainda tem interesse em trabalhar conosco.”
Por um breve instante eu fiquei sem palavras. Os olhos lacrimejaram. Toda a minha jornada passou pela minha mente naquele momento. Ela perguntou se eu ainda estava ouvindo. Informou os dados técnicos da vaga e marcou a data dos exames.
Poucas vezes em minha vida me lembro de ter sentido felicidade tão grande quanto senti naquele momento.
Mais uma vez eu havia conseguido algo que parecia impossível, apenas persistindo, me dedicando e correndo muito.
O próximo passo
Passei dois anos naquela empresa. Aprendi muito sobre o ramo de atuação e sobre as operações do setor.
Quando um dos gerentes da empresa saiu para abrir uma consultoria, fui um dos primeiros a incorporar o time do primeiro cliente dele.
Mudei de trabalho, de cidade, de vida. Finalmente ganhei o mundo, como tanto sonhei desde a infância.
Cheguei ao topo? Talvez muitos pensem que sim. E olhando para a minha trajetória até aquele momento, fica fácil confundir esforço com sorte e vice-versa.
Não há como prever quando a próxima crise virá. Principalmente quando esta crise é um vírus que paralisa o planeta inteiro. Mas sabendo que de tempos em tempos as crises aparecem em nossa vida, podemos nos preparar para qualquer coisa que apareça pelo caminho.
Em dois mil e vinte, após alguns meses de pandemia e confinamento forçado, decidimos que era hora de voltar a morar no interior. Fizemos os cálculos, conversei com a empresa e após mais alguns meses, nos mudamos de volta para aquela cidade lá do início dessa história. Desta vez com um plano bem definido, uma reserva financeira, e a certeza de que tudo daria certo.
Mas o que mudou? Minha mente não é mais a mesma. Hoje eu tenho plena convicção de que a estabilidade – que outrora imaginei ser imutável – no fundo nunca existiu.
Hora ou outra a vida vai tentar me dar outro revés, e eu provavelmente vou cair. Mas, tendo consciência de que isto vai acontecer, eu estou preparado para o que quer que esteja por vir.
Hoje eu sei que você pode fazer o que quiser. Ir a qualquer lugar e estar entre as pessoas que sonhar. Desde que esteja disposto a fazer o necessário para alcançar o seu objetivo.
Por muito tempo eu quis viajar, mas não quis guardar dinheiro para as passagens. Eu quis morar num lugar melhor, mas não estava disposto a trabalhar mais para pagar o aluguel. Eu quis ser o melhor, mas não estava disposto a fazer mais do que os outros. Eu quis ser foda! Mas não tive coragem de sair da minha zona de conforto. Aquele lugar quentinho e confortável, mas infértil e tão sólido quanto um copo de cristal.
Hoje eu me tornei um empresário, moro num lugar legal, faço trilhas por montanhas e selvas nas horas vagas, e tudo o mais que tenho vontade. Mas, se preciso for, estou preparado para empunhar uma badeja e voltar a ser um garçom. Com foco, honra, fé e muita força de vontade, porque nesta vida você tem apenas duas opções: ou dá duro e se supera todos os dias, ou a vida vai passar por cima de você como um rolo compressor, e talvez você não tenha tempo de reagir.